Perguntas e respostas sobre os reflexos do Corona Vírus nos contratos de trabalho de atletas

Justiça do Esporte na pandemia

Nossos posts neste blog e participação na Live Indomável geraram uma série de perguntas do público, tendo com base o atual panorama trabalhista desportivo. A maioria das questões tem foco na legislação trabalhista e na revisão de doutrinas trabalhistas atualizadas. Até por isso, houve uma revisão em nossa primeira análise de algumas questões, que consideramos agora estar mais correta com a interpretação das normas jurídicas.

Apesar de ter como base o questionamento de nossas clientes atletas de futebol profissional no Brasil, estes questionamentos servirão para ajudar a sanar dúvidas de clubes, agentes de jogadores e de jornalistas. Aproveitem a leitura!

Os atletas de qualquer esporte podem ser obrigados pelos seus empregadores, neste atual momento a voltarem a treinar com o grupo, nos centros de treinamento, dos clubes ou na academia?

Higor Maffei Bellini: Não, nenhum empregador pode expor o seu empregado a um risco a sua saúde física e mental, além dos riscos inerentes ao contrato de trabalho firmado entre as partes. Assim, o atleta pode se recusar a voltar a treinar ou a jogar, enquanto as autoridades de saúde pública, em seus três níveis federal, estadual e municipal não informarem que a situação do Corona Vírus está controlada e as atividades físicas estão liberadas e, por consequência, o retorno dos clubes as suas atividades normais.

Como atividade normal devemos entender todas as atividades do clube, ou seja, não apenas o departamento de futebol e médico, mas também o seu corpo administrativo em sentido amplo. Se não há segurança para os trabalhadores administrativos voltarem para as suas atividades diárias, não há segurança para atletas voltarem a trabalhar também. O empregador não pode tratar de forma diferente os seus empregados, dando a proteção de um grupo de trabalhadores em detrimento de outros.

Se o empregado tentar obrigar ao jogador a retornar ao trabalho ele deve buscar o amparo da Justiça do Trabalho para, por meio de um pedido liminar, ser desobrigado a comparecer a treinos, jogos e viagens da equipe, sob pena de o clube ser obrigado a pagar uma multa. Ou fazer como pedido alternativo a rescisão indireta do contrato de trabalho ficando com a possibilidade de se transferir para qualquer outro clube que respeite sua vida, imediatamente.

Se eu pegar o Cororna Vírus isso pode ser considerado como doença do trabalho? E o que isso significa?

HMB: O Supremo Tribunal Federal suspendeu, em 29 de abril de 2020, em razão do julgamento do plenário dois artigos da Medida Provisória 927, em virtude de não estarem de acordo com o ordenamento constitucional. Entre eles está o artigo 29, que restringia as possibilidades de considerar a contaminação por Covid-19 como doença ocupacional, ou seja, aquela que é causada pela atividade do empregado.

Assim, a contaminação pelo Corona Vírus passou a ser considerada como sendo uma doença profissional e o atleta que vier a ser contaminado terá sim o direito de ter esta doença vista como sendo uma doença de caráter trabalhista. Assim, se o seu clube tiver marcado treinos e jogos pode ser responsabilizado caso as autoridades públicas não afirmarem que a pandemia está controlada, ou que exista vacina de modo que o jogador possa ir treinar ou jogar, sem o risco de ser exposto a doença.

Lembramos que a atividade dos clubes não pode ser considerada como essencial para que seja permitida pelas autoridades públicas a sua realização. Ela é uma atividade apenas de lazer para o restante da população. Assim, o atleta que vier a ser contaminado poderá acionar o clube na Justiça do Trabalho visando o obrigar a pagar as despesas médicas do tratamento, bem como o pagamento de reparação pelos danos morais, em virtude da sua contaminação e danos materiais que venha a ter para fazer o seu tratamento, bem como de sua família. Isto porque o atleta pode se contaminar, não apresentar sintomas e contaminar a sua família.

Eu tenho o alojamento como parte do meu salário. O clube é obrigado a continuar me fornecendo o alojamento ou pagamento o meu aluguel neste momento?

HMB: Sim o clube é obrigado. O fornecimento da habitação para os atletas, seja de qual modalidade for é algo comum, até como uma forma de permitir que o atleta ao receber o seu salário o receba de forma integral, sem a necessidade de pagar pela sua moradia, o chamado salário in natura que está estabelecido na CLT em seu artigo 458, com a seguinte redação:

Art. 458 – Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações “in natura” que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas

Este salario in natura que integra a remuneração do atleta, contudo, não poderá ser reduzido como a parte que é paga em direito em razão do texto da MP 936, porque não há como o clube retirar um atleta do alojamento, bem como obriga-lo a retornar a sua cidade natal.

Muitos clubes, é verdade, estão estimulando as atletas a deixarem os alojamentos, para que não tenham de arcar com o custo da limpeza, da alimentação e o pagamento da água, energia elétrica e internet, com o singelo argumento de que seria melhor ficarem perto da família. Porém, aos atletas é permitido se negar a ir preferindo ficar nos alojamentos, até porque estes podem dar uma melhor condição de vida ao atleta.

Para os atletas que tem o seu aluguel pago pelo clube e não moram em alojamentos, estes também podem continuar a residir nestes imóveis. Até porque para se mudaram com as suas famílias em razão do contrato de trabalho com o clube, este deverá continuar a fazer o pagamento dos aluguéis e encargos, como já vinham fazendo.

O clube que estou jogando vai encerrar as atividades agora antes do final do meu contrato.  Que direitos eu tenho?

HMB: Se o seu contrato é de trabalho você tem o direito a todas as verbas trabalhistas que tem um empregado demitido sem justa causa, já que o seu contrato de trabalho por prazo determinado não chegou ao final, pelo passar do tempo. Veja quais são estes direitos:

Assim Art. 28.  A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente.

II – cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º.

§ 5º O vínculo desportivo do atleta com a entidade de prática desportiva contratante constitui-se com o registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração do desporto, tendo natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais:

III – com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial, de responsabilidade da entidade de prática desportiva empregadora, nos termos desta Lei;

IV – com a rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista; e

V – com a dispensa imotivada do atleta.

Assim, o atleta ficará livre para assinar contrato com qualquer outra equipe para a qual desejar trabalhar. Tem ainda o direito a receber o valor do saldo de salário, do aviso prévio, multa de 40% sobre o valor do FGTS, o seguro desemprego, além do decimo terceiro e férias proporcionais, mais o terço constitucional. Devendo ainda serem pagos, se existirem, os meses em atraso.

Entendemos, ainda, que se o clube encerrou as suas atividades ou dispensou o atleta antecipadamente que é possível um pedido de indenização por danos morais, se atletas se encontrarem impedido de assinar com outra equipe para disputar as competições, por haver sido encerrada as janelas de transferências.

O clube me liberou para ir para a minha casa no começo da pandemia e agora está pedindo para eu voltar para ficar no alojamento com outras meninas, eu posso me opor?

HMB: Aqui a resposta é depende. Um atleta não pode se opor a um pedido apenas para regressar, para residir no alojamento, sem obrigá-lo a voltar aos treinos pelo fato de as alegadas férias coletivas terem acabado. Mas, pode solicitar que o clube permita o retorno posterior se houver dificuldades para se locomover da cidade natal, para o clube, por falta de voos ou então se residir no exterior e estarem as fronteiras fechadas.

Mas o clube deve adotar as medidas de higiene necessárias para manter a vida no alojamento saudável, de modo que as meninas tenham a necessária ventilação no alojamento, o necessário espaçamento e que tenham os necessários cuidados psicológicos e médicos.

Porém, se o objetivo do retorno for já reiniciar as atividades, fazendo com que já no alojamento existam treinos físicos, com que aconteça o contato entre as atletas nestes treinamento, ou então o revezamento nos aparelhos sem a necessária higienização dos mesmos entre os uso pelas atletas, sim, é lícito a atleta se negar a voltar para o alojamento.

O meu clube me passou exercícios par afazer nas férias coletivas que eu tinha que fazer, mas não me deu o equipamento e eu, improvisando para cumprir a carga passada, me machuquei. O que devo fazer?

HMB: Infelizmente muitos clubes apenas chamaram o período de 01 de abril a 30 de abril de férias coletivas, mas não suspenderam as obrigações contratuais impostas as atletas e não permitiram que elas efetivamente estivessem de férias, já que passavam cargas de treinamento no período. Se uma destas atletas se machucou treinando em casa, para cumprir o programa de treinamento, razão pela qual ela tem o direito ter isto reconhecido como um acidente do trabalho.

Sendo acidente do trabalho o clube deve fazer o pagamento dos medicamentos utilizados no período, sejam eles anti-inflamatórios ou analgésicos. Mas, caso seja algo mais grave que necessite de uma cirurgia o clube deve custear integralmente a cirurgia e todo o processo de pós operatório, acionando o seguro estabelecido na Lei Pelé, e sendo o caso, promovendo a renovação do contrato de trabalho, pelo tempo necessário para que aquela atleta venha a se recuperar.

Quando o clube pode reduzir o meu salário em 25%, segundo o texto da Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020?

HMB: O clube somente poderá fazer essa redução para as atletas que tenham parte do seu salário pago em razão do vínculo empregatício de contrato de trabalho registrado na Carteira de Trabalho. Se a atleta foi contratada por contrato de licenciamento de imagem ou de prestação de serviços, o clube não pode fazer nenhum desconto.

Isto se deve ao fato de que a MP somente poder ser aplicada para os atletas e empregados e não para os atletas contratados sob outras formas que não o contrato de trabalho.

Estas outras formas de contratação apesar de serem uma forma de mascarar o vínculo trabalhista, neste momento acabaram por beneficiar as atletas contratadas sob este regime, porque os clubes não podem fazer a redução ou postergar os pagamentos dos valores contratados.

Já os que fizeram contratos de trabalho podem reduzir o valor do salário da atleta, contanto que o clube tenha reduzido a carga de trabalho em no mínimo 25% das suas obrigações, ou seja, o clube tem de demonstrar que dentro da jornada de trabalho semanal do atleta reduziu o equivalente aos menos 25% do mínimo.

Esta redução deve ser calculada pela jornada normal de trabalho semanal e mensal da atleta, porque nenhum clube no seu cotidiano, dá para o atleta uma jornada de trabalho de 44 horas semanais e um dia de folga.

O dia de folga que deveria acontecer preferencialmente no dia seguinte ao do jogo, nunca é concedido ao atleta, porque os clubes sempre marcam para o dia seguinte ao jogo o treino regenerativo. E nos dias seguintes são marcados os demais treinamentos que geralmente são realizados em dois períodos, de manhã e a tarde. Assim, não acontece a folga semanal dos atletas.

Este fato faz com que o cálculo da jornada de trabalho deva seguir a da realidade do atleta, para que esta tenha a base real do seu contrato, devendo ser incluído o período das partidas, as horas que a atleta se apresenta para a partida e se estendendo para além do termino do jogo, passando pelo tempo necessário a realização do antidoping, entrevistas coletivas ou individuais, até o atleta deixar o estádio para retornar à sua residência, nos jogos com o mando de campo do empregador.

Caso após a atleta realizar o levantamento do período trabalhado, a redução não atingir o percentual de 25% do tempo gasto habitualmente para treinar e jogar, a atleta  poderá discutir o percentual do desconto, porque deve ser igual ao percentual descontado de tempo que o atleta deixou de trabalhar. Porém, se o período em que o atleta ficar sem treinar for maior que os 25% da sua jornada de trabalho o atleta não terá o que reclamar, mas o clube poderá buscar adequar o valor do percentual ao valor do tempo de abatimento da jornada.

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