Olá a todos, espero que estejam bem!
A ideia deste texto (não gosto de usar a palavra artigo) veio de uma experiência própria: tive COVID-19 mas, estou curado desde o dia 15 de julho de 2020, data que já era especial, por ser a data de aniversário da minha mãe. Por causa do diagnóstico de COVID-19, mesmo não tendo quaisquer sintomas e nem precisei tomar remédios precisei, de uma hora para outra, deixar minhas atividades cotidianas, que são unicamente ir de casa para o escritório e do escritório para casa.
Tudo ocorreu de uma hora para outra porque fiz o exame de manhã e já de noite tive o resultado, voltando ao hospital para saber o que precisaria saber. Então, ser impedido de trabalhar, sem poder me programar para isso, ao contrário do que acontece quando saímos de férias, me fez ver o quanto os clubes de futebol podem ser afetados pelas mudanças nas leis destinadas a tentar evitar o contagio. A alta velocidade em que tudo ocorre ligado a essa pandemia ocorre, mudando de cidade para cidade, e suas consequências, me fizeram escrever este pequeno ensaio.
Ao contrário do que dizem a grande mídia, os canais esportivos da televisão a cabo e os grandes portais da internet, o futebol brasileiro não é restrito ao Campeonato Brasileiro das series “A” e “B” masculinas. Muito pelo contrário: o futebol no Brasil é fundamentado nos campeonatos estaduais masculinos e femininos, que na grande maioria dos estados ainda estão ocorrendo. Além de abranger os campeonatos masculinos de série “C” e “D”, a Copa do Brasil e o Campeonato Brasileiro Feminino das Séries “A” e “B”.
Desta forma, o futebol como um todo, está sofrendo as consequências das políticas de combate à pandemia, tanto em níveis municipais, estaduais, quanto federal. A mudança em uma legislação que impede a ocorrência de treinos das equipes no município em que se encontram sediadas, e por consequência os jogos, também pode acontecer de um dia para outro com a edição de leis ou decretos, válidos para aquela cidade, em razão do aumento ou da diminuição do número de casos, da COVID-19.
E também reflexo da ocupação dos leitos hospitalares que obriguem a esta mudança, fazendo com que sejam obrigadas a treinar em outras cidades onde exista a liberação das atividades físicas e coletivas das equipes. Ou então, poderem regressar para as suas cidades de origem para treinarem e jogarem em seu próprio estádio.
Esta volatilidade jurídica a que as equipes estão submetidas afeta todo o seu plano administrativo, que inclui mas não se resume, à logística para treinos e para os jogos, mas também afeta o planejamento de transmissão de seus jogos pelas Web Tevês das equipes que não realizaram a venda dos direitos de transmissões dos seus jogos para uma empresa de televisão, e que por isso necessitam verificar a se a nova casa possui a estrutura tecnológica necessária, para transmitirem os treinos e jogos.
Esta ausência de uma constância jurídica pode fazer com que uma equipe que esteja viajando de ônibus, dentro do estado ou até mesmo voando para uma cidade em estado diferente, no meio do percurso receba a informação de que aquele jogo precisa acontecer em outra cidade, porque a municipalidade modificou a legislação impedindo a ocorrência dos jogos, naquele local. Isso faz com que ocorra toda a mudança na logística da equipe visitante e da equipe mandante.
Mudança essa que afeta também a equipe de arbitragem, que também precisa se deslocar de uma cidade para outra para poder exercer a sua atividade e que pode precisar se dirigir a outra localidade. No caso da arbitragem traz uma complicação maior porque este novo deslocamento poderá afetar o retorno do arbitro às suas atividades cotidianas fora do futebol. Lembramos que o arbitro, ao contrário das equipes, sabe da sua escala para determinado jogo, apenas com horas de antecedência, em razão da escala ser resultado de um sorteio, para atender ao estabelecido no Estatuto do Torcedor.
Assim, os árbitros têm menos tempo para se programar para a viagem. Por isso a questão da arbitragem foi tratada em um parágrafo apartado, porque se sem arbitro não há partida, este por outro lado, não sobrevive apenas dos rendimentos que a arbitragem lhe traz.
Esta mudança na logística traz custos extras e excepcionais para as equipes porque não havia, até horas antes, sequer a possibilidade da não realização do jogo naquela localidade e naquele estádio. Quem pagará este prejuízo das equipes trataremos em outro texto no mês que vem, mas, adianto que no meu entender, este prejuízo não será suportado pelas equipes, que na verdade são prejudicadas por atos inesperados de terceiros.
A mudança na legislação, que acontece na véspera do jogo, pode até permitir que a partida seja realizada sem público em outra localidade, mas traz consequências para a equipe visitante, quando do seu retorno para a sua cidade natal. Como por exemplo a obrigação de a delegação precisar ficar isolada para a confirmação de que não houve contaminação, em razão do jogo. Se isto acontecer, surgirá a necessidade de ter duas equipes, posto que uma estará em isolamento e outra poderá atuar, por não estar obrigada a ficar em isolamento. Ou então poderá fazer com que aquela delegação não retorne à sua cidade de origem, porque a equipe precisará começar a treinar em outra cidade onde não ocorra esta imposição do isolamento de quem vem de outras localidades.
Para não me alongar demais este ensaio, temos ainda que tratar das mudanças no planejamento que poderá vir da reação dos jogadores, enquanto empregados, que terão o seu contrato de trabalho afetado, de forma indireta, pelas mudanças na legislação, que mesmo não visando mudar o contrato de trabalho, por via obliqua o afeta.
Higor você pode dar um exemplo?
Claro: veja o exemplo de um atleta que pode se recusar a viajar com a delegação para jogar ou treinar, porque sabe que ao sair da cidade sede do clube, não poderá retomar de forma rápida e imediata o contato com a sua família, em razão da necessidade de ficar em isolamento, caso o jogador resida em outro imóvel. Ou poderá, ainda, se recusar a viajar porque na cidade onde acontecerá o jogo, está tendo uma grande número de casos, e como a equipe precisará chegar um dia antes, e ficar hospedado em hotel, o jogador pode não se sentir seguro, em seguir com a equipe.
Esta recusa do jogador será baseada no direito de resistência do atleta, enquanto ser humano e empregado do clube, de cumprir a ordem de viajar com a equipe, porque ao ser contratado não aceitou o risco de ir desenvolver o seu trabalho de uma forma que fique exposto ao contágio de uma doença.
Mas Higor, as atividades estão voltando aos poucos, por que o futebol não pode voltar e obrigar o atleta a treinar ou jogar?
Simples, porque a volta das demais atividades, também não retira o direito de resistência dos empregados dos demais setores, ao não se sentirem seguros para trabalhar, seja na sua cidade de contratação, seja em outras viagens em razão de viagens a trabalho. Este é um direito de todos os trabalhadores, não estamos colocando o futebol como um trabalhador especial, estamos apenas o usando para demonstrar que todos podem.
Para demonstrar isso citamos o exemplo dos funcionários do Poder Judiciário paulista, que declararam que estão em greve sanitária, para buscar a preservação da saúde no local de trabalho, dificultando ou até mesmo impedindo, o retorno das atividades presenciais no poder judiciário bandeirante, que estavam previstas para o dia 27 de julho de 2020.
Com este exemplo, demonstramos que não há uma completa volta das atividades presenciais e que os trabalhadores ainda estão com medo de serem contaminados ao retomarem as suas atividades. E que. ao jogador de futebol, também é lícito se recusar a voltar aos treinos e a jogar, quando acharem que não estão seguros em realizar a sua atividade.
Desta feita, as equipes de futebol precisavam se adaptar aos novos tempos, trazendo um novo tópico em seu planejamento, que é o relativo a examinar a legislação das localidades nas quais precisam ir jogar, para não serem surpreendidos com mudanças legislativas que não permitas acessar a aquela localidade, seja ela no Brasil ou fora. Vale assim, para as equipes que irão jogar as competições sul-americanas, para evitarem o risco de não poderem entrar naquela localidade, ou que sejam impedidos de voltar à sua cidade, sem ter de passar por um período de quarentena.
Isso traz inevitáveis problemas de logística, tais como quanto tempo de antecedência chegar na cidade, onde se hospedar, como agir em caso de mudança da localização do local do jogo, se na cidade agora há proibição de jogos e atividades futebolísticas Tudo isso causa problemas de elenco para os jogos seguintes da equipe, que podem ter de ficar isolados ou haver recusa de viajar para jogar, por exemplo.
Assim, a COVID está afetando os planos administrativos, os fazendo mudar de forma constante e por vezes inesperadas, trazendo a necessidade da equipe jurídica da equipe sempre se atualizar sobre as mudanças locais na legislação e à equipe de logística sempre ter um plano “B” e até mesmo um plano “C”, para o caso de não poderem entrar naquela cidade originalmente marcada. Bem como a necessidade de a equipe ter planos “B” e “C” para mandarem os seus jogos em outras cidades, ou até mesmo outros estados, celebrando acordos com os responsáveis pelos estádios, caso tenham de se utilizar daquele local.
Já não é simples fazer o planejamento para um jogo, pois o estádio tem de atender as condições mínimas estabelecidas no regulamento do campeonato, bem como satisfazer as equipes de transmissão do jogo para a televisão, seja do próprio clube, seja de uma outra emissora.
Em resumo, a COVID-19 está tornando a gestão do departamento de futebol um exercício de futurologia, de gestão de riscos e de crises e onde o direto de futebol, seja ela estatutário ou por contrato, além de prever as situações normais de jogo, necessita tentar prever situações atípicas, que podem mudar todo o planejamento efetuado.
Esta é a razão pela qual o responsável pelo departamento de futebol, nestes tempos, precisa estar mais conectado com a realidade extra campo, para fazer com que a sua equipe atue nas quatro linhas e dela volte para a sua sede, sem maiores problemas.